quarta-feira, 29 de junho de 2016

ENCONTRO COM A PALAVRA #6

Certo dia, Jesus estava pregando em um lugar retirado, e os discípulos estavam com ele. Então, Jesus perguntou-lhes: "Quem diz o povo que eu sou?" Eles responderam: "Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou". Mas Jesus perguntou: "E vós, quem dizeis que eu sou?" Pedro respondeu: " O Cristo de Deus". (Lucas 9, 18-20)

À pergunta que Jesus propõe, nossa resposta dependerá, sem dúvida, de como estamos deixando que Deus se revele a nós e de como estamos dispostos a gastar a vida, neste mundo, pela mesma causa que a de Jesus.

PALAVRA DO MÊS: HISTRIÔNICO

Onde vi/ouvi? Na entrevista de Jô a Ney Latorraca.

O que significa? Diz-se da pessoa histérica que se comporta de maneira exagerada, buscando ser o centro das atenções; que possui histrionismo. Que se refere a histrião, comediante, farsista ou palhaço.

Como a empregaria em uma frase/fala/conversa/história? Não é muito raro encontrar um histriônico doido pra sair do armário.

ZILÁ E BRANCA


"Mas não se refestele no sofá. Isso é muito pobre! Senta na ponta, é mais chique!"

Esta cena épica de Zilá e Branca Letícia de Barros Mota retrata bem o distanciamento das classes sociais, tema recentemente tratado no premiado "Que Horas Ela Volta?". No final, abandonada pela família, só resta a empregada invisível e bode expiatório de seus ataques de vaidade para fazer-lhe companhia e dividir um Martini. Para não perder a pose, ela ainda dá uma dica sutil a Zilá, e depois desse dia nunca mais me refestelei no sofá alheio, rs.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

ACHADOS E PERDIDOS #3

Marcas imitam marcas, fragrâncias são copiadas, mas seguramente esse pecado é mais cometido por músicos e empresários do ramo fonográfico. Quando a coisa caminha na mesma sintonia é como comprar o perfume nacional e descobrir que existe o importado, algumas vezes de qualidade inferior à cópia, como é o caso do meu inesquecível XV Years da Água de Cheiro e do meu atual CK One. Semelhante ao perfume citado, há umas versões musicais que na minha opinião superam a original, enquanto outras acabam de rolar precipício abaixo com a primogênita concebida sabe lá pra qual tipo de audição.

No primeiro estudo de caso, demorei a perceber a linda letra "A Noite" escrita pela  Tiê & equipe para "La Notte" da cantora italiana Arisa, por não ter paciência para Bruna Marquezine com aquela carinha marketing de ex-Neymar e/em Paraisópolis. Na canção de Arisa, o que se salva é o refrão, porque nas estrofes só me vem à memória náusea, Dramin, Sonrisal de madrugada, comida que fez mal, Figatil, ressaca, enxaqueca e vômito, que literalmente está lá na letra. E olha que essa música fez muito sucesso na Itália, levando um disco de platina e ficando em segundo lugar no Festival de San Remo! Confiram as respostas da anamnese:

Não basta um raio de sol num céu azul como o mar
Porque carrego uma dor que sobe, que sobe
Para nos joelhos que tremem, e eu sei por quê
E não para a corrida, ela não quer parar
Porque é uma dor que sobe, que sobe e faz mal
Agora está no estômago, fígado, vômito, finjo mas está
(...)
O estômago resistiu ainda que não queira comer
Mas tem a dor que sobe, que sobe e faz mal
Chega no coração e quer batê-lo mais forte que eu
Prossegue na sua corrida, pega aquilo que sobra
E de repente explode e estoura a minha cabeça
Queria uma resposta, mas, no fundo, não tem resposta

Arisa comemorando o Coqueiro de Ouro
Tiê blasé com seu sucesso nacional
No segundo estudo de caso, vamos àquela que mais usa as rimas lua/nua/rua em suas mais variadas letras, cujas melodias me dão um trabalhão para distingui-las, até chegar na tríade + voz grave + refrões chiclete = Ana Carolina, cantora de nome singular e letras tão populares. Não bastassem as letras enigmáticas como "Eu pulo as janelas, será que eu tô trancado aqui dentro? Será que você tá trancado lá fora?", ela atingiu seu ponto máximo de criatividade na inesquecível "É isso aí". Tudo começa bem, básico, mas aí lá vem a rima clássica:

Como farei a próxima tradução virar sucesso?
É isso aí
Os passos vão pelas ruas
Ninguém reparou na lua

A vida sempre continua

As coisas melhoram no refrão, em seguida vem uma estrofe que me lembra as letras de Gilberto Gil, mas aí vem o trecho candidato ao Oscar de melhor "adaptação":

É isso aí
Um vendedor de flores

Ensinar seus filhos a escolher seus amores

Mas acho mesmo que a maldição da letra "ahn? quem? cuma?" já vem desde quando Zélia Duncan tentou fazer algo para Simone e gerou uma estrofe assim:

Então me diz!
Qualquer história
De amor e glória
Eu sei!

Não dá mais pra voar...
Então me diz!
Frases feitas comuns
Já sei, ficamos no ar

Mais que o normal...

Ou melhor, os brasileiros não tem culpa. A origem de tudo está em Damien do Arroz Rice, que fez The Blower's Daughter reza a lenda inspirado em uma garota que ele conheceu por telefone quando trabalhou em um call center. Depois de Closer, de Simone e de Ana Carolina ele deve ter ganhado uma graninha dos direitos autorais, porque tirando o refrão hit-certo-sucesso-garantido, uma das estrofes então me diz:

Pensando na filha do vento
And so it is  / E então é isso
The colder water / A água gelada
The blowers daughter / A filha do vento

The pupil in denial / A aluna rejeitada  

Mas por que Ana Carolina, Simone, Zelia Duncan e Seu Jorge diante de um troço que já era sucesso mundial não cantaram em inglês mesmo ou assim bonitinho como está aí, com rima certinha e tudo, gente? Mim não sabe nem você nunca vai saber.


Encerrando os trabalhos, sem pedir bis, lembrei de outro causo de uma certa feiticeira do gelo seco + bocão + performance pré-sofrência = Rosana (sem "h"). O hit "O amor e o poder" (Como uma Deusa) ficou nas paradas do Globo de Ouro, Chacrinha, FM e AM Consolo de Empregada por várias semanas. A versão feita para "The Power of Love" originalmente de Jennifer Rush, mas regravada pelo Air Supply, Celine Dion entre outros, denota o clássico caso, estilo "ainda ficaremos juntos de verdade". As loucuras de amor e o fogo incandescente da paixão vem logo no começo:

Eu saio dos seus olhos
eu rolo pelo chão
feito um amor que queima
magia negra, sedução

Se tivessem escrito "magia lenta" a pobre feiticeira não teria sido acusada pelas mesmas pessoas que achavam que o Fofão era tão perigoso quanto Freddy Krueger. Mas o caldeirão entra em efervescência mesmo no refrão:

Como uma deusa você me mantém ($$$)
e as coisas que você me promete diz me levam além 


A letra original não fica tão distante da ideia da "metade da laranja, dois amantes, dois irmãos" e da promessa de um dia ele largar a gerência da matriz pra fazer render a filial. Tudo começou com sussurros de amor, foi sensualizando, se declarou no refrão e jogou aquela conversa pra boi dormir no final:

We're heading for something / Estamos caminhando para algo
Somewhere I've never been / Em algum lugar que eu nunca estive
Sometimes I am frightened / Às vezes eu estou assustado
But I'm ready to learn / Mas estou preparado para aprender
Of the power of love / O poder do amor 



Essa galera toda que sabe tirar leite de pedra e transformar abacaxi em uva, ou não!



segunda-feira, 13 de junho de 2016

ACHADOS E PERDIDOS #2


Quando vejo essas relíquias, esses talentos tropicalistas e mais originais impossível, me orgulho de ser de um país que exporta música e arte. Embora "O Seu Amor" seja uma canção de protesto, uma resposta ao slogan da ditadura repressora que dizia "Brasil, ame-o ou deixe-o", os versos minimalistas se somam em uma melodia romântica e suave.Vontade de ouvir várias e várias vezes, como um mantra ou uma canção de ninar.

O seu amor
Ame-o e deixe-o
Livre para amar
Livre para amar
Livre para amar
 
O seu amor
Ame-o e deixe-o
Ir aonde quiser
Ir aonde quiser
Ir aonde quiser
 
O seu amor
Ame-o e deixe-o brincar
Ame-o e deixe-o correr
Ame-o e deixe-o cansar
Ame-o e deixe-o dormir em paz
 
O seu amor
Ame-o e deixe-o
Ser o que ele é
Ser o que ele é
Ser o que ele é.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

CLARICE LISPECTOR PARA JUNHO


De tanto ler autorias improváveis para frases e pensamentos de autores famosos da literatura brasileira, fiz um trabalho de colheita no livro "As Palavras" de Roberto Corrêa dos Santos e deixo aqui uma pequena amostra do tema "amor/relacionamento/paixão", que só perde para o tema "autoajuda", que é o mais citado erroneamente. Segundo o curador/pesquisador "para estar na terra mental de Clarice, impõe-se a inquietude, o atentar para avisos e sutilezas, e a grande paixão pelo viver, pelo pensar, pelo sentir". Assim, peço aos leitores deste post que façam a devida referência ao citar os frutos aqui colhidos.
 

A um certo modo de olhar, a um jeito de dar as mãos, nós nos reconhecemos e a isto chamamos de amor.

Amor é quando é concedido participar um pouco mais.

Amor é a desilusão do que se pensava que era amor.

Eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando duas compreensões, eu amava. Não sabia que, somando duas incompreensões, é que se ama.

Me abrace, que no abraço mais do que em palavras, as pessoas se gostam.

Nos braços de alguém eu morro toda.
 
Eu te amo como sempre estivesse te dizendo adeus.

Estou sofrendo de amor feliz. Só aparentemente é que isso é contraditório.

Não quero mais me expressar por palavras: quero por "beijo-te".

Quando eu digo te amo, estou me amando em você.

Amor demais prejudica os trabalhos.

Para te escrever eu antes me perfumo toda.

O que estraga a felicidade é o medo.

Eu o vi de repente e era um homem tão extraordinariamente bonito e viril que eu senti uma alegria de criação.

Um dia dissestes que me amavas. Finjo acreditar e vivo, de ontem para hoje, em amor alegre.

Como fazer se não te enterneces com meus defeitos, enquanto eu amei os teus.

Simplesmente eu sou eu. E você é você. É vasto, vai durar.

Olha para mim e me ama. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo.

"Eu te amo" era uma farpa era uma farpa que não podia se tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mais grossa da sola do pé.

Apesar de, se deve amar.

Ele era um homem, ela era uma mulher, e milagre mais extraordinário do que esse só se comparava à estrela cadente que atravessa quase imaginariamente o céu negro e deixa como rastro o vivido espanto de um Universo vivo.

Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.

Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.

Pode-se aprender tudo, inclusive a amar.

Não há modo mais perfeito, embora inquieto, de usar o tempo: o de te esperar.

Não sabia que nome dar ao que a tomara ou ao que, com voracidade, estava tomando senão o de paixão.

Quero o que você é, e você quer o que eu sou.

Queria que você, sem uma palavra, apenas viesse.

Eu sou tua e tu és meu, e nós é um.

Eu está apaixonada pelo teu eu. Então nós é.

Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão? Pois é a coisa mais última que se pode dar de si.

Dar a mão a alguém sempre foi o que esperei da alegria.

Se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.

Não quero te dar o susto do meu amor.

Chegará o instante em que me darás a mão, não mais por solidão, mas eu agora: por amor.

Ah, meu amor, não tenha medo da carência: ela é o nosso destino maior.

O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão mais inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente.

O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça - que se chama paixão.

A graça da paixão é curta.

Depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois?


Quando o amor é grande demais torna-se inútil: já não é mais aplicável, e nem a pessoa amada tem a capacidade de receber isso.

O sentimento mais rápido, que chega a ser apenas um fulgor, é o instante em que um homem e uma mulher sentem um no outro a promessa de um grande amor.

Sentimentos são água de um instante.