segunda-feira, 31 de agosto de 2020

MEMÓRIA MUSICAL - PARTE 2

                                         Documento que mostra a censura de

Continuando e antecipando uma canção bônus, no ano de 1974 após sofrer várias intervenções, proibições e retoques em sua obra, Chico Buarque passou a perna nos censores ao gravar esse recado bem dado se passando por Julinho de Adelaide: "Acorda amor/ Eu tive um pesadelo agora/ Sonhei que tinha gente lá fora/ Batendo no portão, que aflição / Era a dura, numa muito escura viatura". Sumiços repentinos vinham ocorrendo e o compositor alerta o ouvinte poeticamente no final: "Não esqueça a escova, o sabonete e o violão". 

7- Nada será como antes - Elis Regina (1971)
Gravada sequencialmente por Joyce, Elis e no antológico Clube da Esquina, a parceria de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos rendeu até gravações de Sarah Vaughan e Herbie Hancock no exterior . Recorro novamente a Nelson Motta que foi minha motivação para fazer essa pesquisa, para sintetizar o espírito da época: "refletia o turbulento período político que o Brasil atravessava, com a repressão aterrorizando a juventude e o perigo escondido em cada esquina, quando a vida na estrada passou a ser uma opção para tantos jovens insatisfeitos". O tempo passou e a canção permanece atual na nossa frágil democracia, resistindo na boca da noite e no coração dos militantes um gosto de sol.

8- Cálice - Chico Buarque (1973)
Não é de se admirar que a canção ficou muda e amordaçada, engavetada por cinco anos até ser lançada. Mesmo com os anos de chumbo já mais arrefecidos, sua poesia pungente a tornou mais um clássico na coletânea dos símbolos de resistência. No atual contexto, mais de quarenta anos depois muitos brasileiros ainda adotam esses versos: "Atordoado eu permaneço atento/ Na arquibancada pra a qualquer momento/ Ver emergir o monstro da lagoa". Não cale-se!

9- Cartomante - Ivan Lins (1978)
Como mencionei no post anterior, destacarei aqui as versões de maior sucesso. Nesse caso, mesmo Elis roubando a cena anos depois na regravação com Ivan ao piano e no coro do refrão, tenho que dar o braço a torcer para o talento deste grande cantor e compositor. Desde 1970, Ivan Lins vinha concorrendo em festivais e participava do MAU-Movimento Artístico Universitário, onde Aldir Blanc e Gonzaguinha também davam seus primeiros passos. A canção cheia de críticas e ironias escondidas nos conselhos de uma simples cartomante é uma espécie de oração profética sobre os anos vindouros e ganhou até clipe no Fantástico!

10- Aos nossos filhos - Ivan Lins (1978)
Encerrando o lado B do álbum "Nos dias de hoje", que contou em seu repertório com a canção anterior,  só conheci "Aos nossos filhos" por ouvi-la na abertura da minissérie "Os dias eram assim" (Globo, 2017). Neste site há um resumo do triste cenário e do clima que ainda pairava: "Através de “Aos nossos filhos”, toda uma geração pedia “perdão” pela falta de abraços, escolhas e espaço; pelos perigos e sufocos impostos pela ditadura. E lançava para as futuras gerações a tarefa de soltarem as amarras, lavarem as mágoas e a alma, fazendo brotar as flores e colhendo os frutos semeados por aqueles que, como a própria Elis, se rebelaram contra os ataques à liberdade e tudo mais o que nos faz “humanos”. 

11- Canção da Despedida - Elba Ramalho (1983)
Única parceria dos dois Geraldos, Vandré e Azevedo, não há data certa para seu registro. Apanas sabe-se que foi composta na clandestinidade após o AI-5 (1968), quando o paradeiro de Vandré era mantido em sigilo. Elba Ramalho a gravou no álbum Coração Brasileiro, enquanto Azevedo fez sua primeira gravação em Luz do Solo em 1985, creio eu que com ares de festa e comemorações.

12- Coração de Estudante - Milton Nascimento (1983)
Com melodia de Wagner Tiso, que a compôs para o filme Jango, a canção ganhou letra de Milton anos depois e foi inspirada nas lembranças do enterro do jovem estudante Edson Luís, morto enquanto jantava com os colegas o restaurante Calabouço no Rio. Logo virou hino de esperança da juventude que lutava por mudanças e pelas eleições diretas. Imortalizou-se também com outra perda para o país, quando foi exaustivamente executada por ocasião do falecimento de Tancredo Neves em 1985, marcando musicalmente o fim da ditadura.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

MEMÓRIA MUSICAL- PARTE 1

Inspirada no relato de tantos artistas que passaram poucas e boas durante a censura imposta pela ditadura militar brasileira, e que tiveram discos embalados em sacos pretos ou faixas deletadas, organizei uma mini coletânea de canções que contam um pouco da nossa recente história. As 12 canções aqui selecionadas (parte 1 e 2) foram classificadas cronologicamente de acordo com o ano de lançamento & versão que fez mais sucesso, pois em alguns casos a canção foi gravada anteriormente até mesmo por ótimos artistas, mas teve pouca repercussão.

1- Alegria, alegria - Caetano Veloso (1967)
Marco inicial do Tropicalismo, ficou mais conhecida ao ser apresentada no III Festival da Música Popular Brasileira da Record, ficando em quarto lugar, apesar de ser uma das queridinhas daquela edição. De sonoridade suave e alegre, apesar do início ter a famigerada guitarra elétrica tocada pelos Beat Boys, essa canção é contemporânea, pop e cheia de referências à cultura de massa da época. Mesmo não tendo sido composta na intenção de contestar, e sim inspirada em A Banda de Chico Buarque, dificilmente essa canção não é associada às que marcaram o cancioneiro durante o regime militar.

2- Pra não dizer que não falei das flores - Geraldo Vandré (1968)
Mais conhecida como "Caminhando", foi apresentada apenas com voz e violão no III Festival Internacional da Canção Popular (FIC), ficando em segundo lugar mas em primeiro na boca do povo, o que incomodou demais os militares e obrigou o cantor a "sumir" de cena após o AI-5. Os discos foram retirados das lojas e sua execução pública proibida até 1976, quando por conta da anistia foi regravada por Simone. Já o compositor pôde retornar ao Brasil em 1973 após muitas negociações sigilosas com o governo, mas não mais retomou sua carreira artística.
 
3- Sabiá - Chico Buarque (1968)
Composta musicalmente como Gávea, a canção mudou de nome após Chico Buarque por letra inspirada no poema Canção do Exílio de Gonçalves Dias, sendo por fim inscrita no III Festival Internacional da Canção Popular e interpretada por Cynara e Cybele (Quarteto em Cy). Tom resolveu ser participante para se livrar se ser jurado, mas não contava com a vaia histórica por causa de um primeiro lugar que nem ele mesmo botava fé. Surgiram várias teorias da conspiração para a vitória sobre a canção de Vandré, mas até hoje não se sabe por quê o júri a escolheu. Intencional ou não, o certo é que Sabiá ingenuamente era uma nova e premonitória Canção do Exílio para aqueles tempos que se tornariam mais sombrios em breve.

4- Aquele abraço - Gilberto Gil (1969)
Composta durante as tratativas com os militares que culminaria no exílio em Londres, assim o cantor declarou sobre sua ode à cidade maravilhosa e canção de despedida: "finalmente eu poderia sair do país e tinha que dizer bye-bye; sumarizar o episódio todo que estava vivendo numa catarse. Que outra coisa para um compositor fazer uma catarse senão numa canção?"

5- País tropical - Wilson Simonal (1969)
Como falei inicialmente, esta seção foi catalogada considerando a versão daquela época que fez mais sucesso. É o caso dessa canção, que nesse mesmo ano foi gravada pelo trio de baianos Caetano, Gal e Gil e em seguida pelo "internacional' Sérgio Mendes, mas foi na voz de Wilson Simonal que ela balançou o Brasil de 1970. Como relata Nelson Motta no livro 101 Canções que Tocaram o Brasil, "por sua qualidade e sinceridade, superou qualquer eventual conexão com o ufanismo autoritário e sobreviveu ao tempo como um hino e alegria e brasilidade".

6- Apesar de você - Chico Buarque (1970) 
Como já é sabido, o Departamento de Censura Federal (que em 1972 seria formalizado como DCDP -Divisão de Censura de Diversões Públicas) de vez em quando se passava na triagem e liberava uma canção cheia de diretas e indiretas ao regime militar. Foi o caso de Apesar de Você, que logo após estrondoso sucesso teve discos confiscados e execução terminantemente proibida. Só que o estrago já estava feito, pois 100 mil discos já tinham sido vendidos, a letra estava na boca do povo e a música circulava também nas cópias nas saudosas fitas cassete. Quando interrogado, Chico disse cinicamente que tinha composto o samba para uma mulher mandona e autoritária, rs.


PS: Não achei a imagem que gostaria de encontrar, mas fica abaixo um exemplo do que a turma da moral e dos bons costumes em honra da família brasileira e do bem da nação deixava passar.

                     Policial Pensador: Raul Seixas, Polícia e a Ditadura


quarta-feira, 26 de agosto de 2020

PASSA PANDEMIA, PASSA...(II)

"We're born alone, we live alone, we die alone. 

Only through our love and friendship can we create the illusion 

for the moment that we're not alone". 

(Orson Welles)


segunda-feira, 24 de agosto de 2020

O TEMPO, SUAS MANHAS E MANHÃS

                                    Entenda o tempo de Chronos e Kairós - Portal

Chronos é o nome da linha de cremes anti-idade que promete uma recarga instantânea de hidratação e estimula a pele a se auto hidratar de forma inteligente. Aleatoriamente, acomodei o elixir rico em prebióticos no nicho com relíquias da infância, e Chronos acabou ficando bem ao lado de Gisele, minha boneca dos 5 anos que me faz lembrar todas as noites de tentar voltar no tempo.

***
 "Vão tomar banho", fardamento na cama, almoço quentinho na mesa e meu irmão eu naquela lerdeza clássica de quem passou a manhã brincando e vendo desenho. Minha mãe perguntava a meu primo: 

"Pedro, como faço pra saber a hora pra esses meninos não chegarem atrasados na escola?"

Ele respondia: "É só você lembrar que o jornal começa 1:00 hora!"

Pedro estava falando do Jornal Hoje, que naquela época era pontual, assim como as novelas das 6, das 7 e das 9. A única pessoa que tinha relógio em casa era meu pai, mas ele passava o dia na estrada trabalhando. Com o avanço das importações dos xinguilingue foi que começamos a ter relógio de parede a pilha e um ou outro de pulso. E aí ficamos mais controlados pelo tempo, que outrora era contabilizado pelas horas em que estaríamos brincando na rua, no quintal ou por simplesmente ser manhã, tarde, noite ou hora de dormir. Por isso, ao sairmos, era comum perguntar a um transeunte: "que horas são?" Ao que os mais gaiatos respondiam: "pai nosso e ave-maria!"

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Fuso horário, criança curiosa que ouve dizer que enquanto aqui é dia, no Japão é "de noite". Adulta viajante que fica hipnotizada ao ver nas recepções de hotel ou aeroportos aquela instalação que dispõe de 3 relógios regulados conforme a hora de 3 países. As aulas de geografia decifraram um pouco desse mistério da infância com a explicação do meridiano de Greenwich. Até descobri recentemente que o GTM da configuração do celular refere-se a ele, e que existe a Jet Lag, a tal síndrome provocada pelo desajuste do fuso em relação ao relógio biológico.

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Happy hour, a hora do break, a hora que mais gosto de sair, ver a noite caindo...como eu sempre digo: eu gosto da noite, não da night. "A noite é o reino da calma, reino da pausa, tempo de amar", canta Guilherme Arantes. Estrelas no céu, as fases da lua, o clima ameno e a madrugada dos intelectuais inteirinha pela frente.