Continuando e antecipando uma canção bônus, no ano de 1974 após sofrer várias intervenções, proibições e retoques em sua obra, Chico Buarque passou a perna nos censores ao gravar esse recado bem dado se passando por Julinho de Adelaide: "Acorda amor/ Eu tive um pesadelo agora/ Sonhei que tinha gente lá fora/ Batendo no portão, que aflição / Era a dura, numa muito escura viatura". Sumiços repentinos vinham ocorrendo e o compositor alerta o ouvinte poeticamente no final: "Não esqueça a escova, o sabonete e o violão".
7- Nada será como antes - Elis Regina (1971)
Gravada sequencialmente por Joyce, Elis e no antológico Clube da Esquina, a parceria de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos rendeu até gravações de Sarah Vaughan e Herbie Hancock no exterior . Recorro novamente a Nelson Motta que foi minha motivação para fazer essa pesquisa, para sintetizar o espírito da época: "refletia o turbulento período político que o Brasil atravessava, com a repressão aterrorizando a juventude e o perigo escondido em cada esquina, quando a vida na estrada passou a ser uma opção para tantos jovens insatisfeitos". O tempo passou e a canção permanece atual na nossa frágil democracia, resistindo na boca da noite e no coração dos militantes um gosto de sol.
8- Cálice - Chico Buarque (1973)
Não é de se admirar que a canção ficou muda e amordaçada, engavetada por cinco anos até ser lançada. Mesmo com os anos de chumbo já mais arrefecidos, sua poesia pungente a tornou mais um clássico na coletânea dos símbolos de resistência. No atual contexto, mais de quarenta anos depois muitos brasileiros ainda adotam esses versos: "Atordoado eu permaneço atento/ Na arquibancada pra a qualquer momento/ Ver emergir o monstro da lagoa". Não cale-se!
9- Cartomante - Ivan Lins (1978)
Como mencionei no post anterior, destacarei aqui as versões de maior sucesso. Nesse caso, mesmo Elis roubando a cena anos depois na regravação com Ivan ao piano e no coro do refrão, tenho que dar o braço a torcer para o talento deste grande cantor e compositor. Desde 1970, Ivan Lins vinha concorrendo em festivais e participava do MAU-Movimento Artístico Universitário, onde Aldir Blanc e Gonzaguinha também davam seus primeiros passos. A canção cheia de críticas e ironias escondidas nos conselhos de uma simples cartomante é uma espécie de oração profética sobre os anos vindouros e ganhou até clipe no Fantástico!
10- Aos nossos filhos - Ivan Lins (1978)
10- Aos nossos filhos - Ivan Lins (1978)
Encerrando o lado B do álbum "Nos dias de hoje", que contou em seu repertório com a canção anterior, só conheci "Aos nossos filhos" por ouvi-la na abertura da minissérie "Os dias eram assim" (Globo, 2017). Neste site há um resumo do triste cenário e do clima que ainda pairava: "Através de “Aos nossos filhos”, toda uma geração pedia “perdão” pela falta de abraços, escolhas e espaço; pelos perigos e sufocos impostos pela ditadura. E lançava para as futuras gerações a tarefa de soltarem as amarras, lavarem as mágoas e a alma, fazendo brotar as flores e colhendo os frutos semeados por aqueles que, como a própria Elis, se rebelaram contra os ataques à liberdade e tudo mais o que nos faz “humanos”.
11- Canção da Despedida - Elba Ramalho (1983)
Única parceria dos dois Geraldos, Vandré e Azevedo, não há data certa para seu registro. Apanas sabe-se que foi composta na clandestinidade após o AI-5 (1968), quando o paradeiro de Vandré era mantido em sigilo. Elba Ramalho a gravou no álbum Coração Brasileiro, enquanto Azevedo fez sua primeira gravação em Luz do Solo em 1985, creio eu que com ares de festa e comemorações.
12- Coração de Estudante - Milton Nascimento (1983)
Com melodia de Wagner Tiso, que a compôs para o filme Jango, a canção ganhou letra de Milton anos depois e foi inspirada nas lembranças do enterro do jovem estudante Edson Luís, morto enquanto jantava com os colegas o restaurante Calabouço no Rio. Logo virou hino de esperança da juventude que lutava por mudanças e pelas eleições diretas. Imortalizou-se também com outra perda para o país, quando foi exaustivamente executada por ocasião do falecimento de Tancredo Neves em 1985, marcando musicalmente o fim da ditadura.