Fevereiros começa com Maria Bethânia recitando Inicial (1972) da poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen:
"O mar azul e branco e as luzidias
Pedras: O arfado espaço
Onde o que está lavado se relava
Para o rito do espanto e do começo
Onde sou a mim mesma devolvida
Em sal espuma e concha regressada
À praia inicial da minha vida."
Em seguida, Caetano Veloso relata sobre sua irmã: "Conheço a voz de Bethânia desde dentro, ela foi se desenvolvendo pertinho de mim e tinha os elementos genéticos que estão presentes na minha própria voz, na de meus outros irmãos, nas de meus filhos. Sua voz sempre foi assim peculiar, com tons de cobre e de água marinha. É uma textura que veicula sentimentos de inteligência intensos e imediatos. É uma voz pessoa, indissociável, e desde sempre atada à música através da poesia."
Ganhei Fevereiros de Luan Almeida durante um feriado qualquer nessa pandemia, e me lembrei imediatamente dos outros filmes-documentário que assisti sobre a Abelha Rainha, apelido que os fãs costumam dar à diva santoamarense. Foram circunstâncias inusitadas, mas muito gentis e até mesmo divertidas.
1- Maria Bethânia: Música é Perfume (2005)
Foi produzido e dirigido por Georges Gachot e traz a seguinte sinopse: uma análise do processo criativo da cantora Maria Bethânia e o mapeamento do processo de formação da música popular brasileira. Nos anos 60 Bethânia surge, ao lado de Gal Costa, como uma das musas da contracultura brasileira e da resistência ao regime militar, no espetáculo Opinião. Ao longo do tempo ela se torna uma das mais cultuadas intérpretes da MPB. O filme traça um paralelo entre a sua vida e as transformações sociais ocorridas no Brasil. Só pude conferir a obra através de meu amigo tucanense Jadilson Pimentel, que me emprestou o dvd em uma de nossas primeiras conversas sobre gostos e preferências culturais. É nesse documentário que ela fala a célebre frase "detesto pôr-do-sol", rs.
2- Maria Bethânia: Pedrinha de Aruanda (2006)
O filme de Andrucha Waddington é um registro singular da intimidade da nossa grande artista. O ponto de partida é a comemoração do aniversário de 60 anos da cantora, celebrados durante uma apresentação em Salvador e uma missa em Santo Amaro da Purificação, sua cidade natal, em 2006. É na casa onde a artista passou sua infância e adolescência que acontece o ápice do filme: a seresta familiar na varanda, com a participação de sua mãe, Dona Canô, do irmão, Caetano Veloso, e do violonista e maestro Jaime Alem, entre outros. Neste encontro, Maria Bethânia revela sua história a partir de músicas que a acompanharam ao longo de sua vida. Devo esse agrado a meu amigo Leandro Rosa, que não somente descobriu onde e quando passava, como a linha misteriosa de ônibus que nos levou até o destino-experiência, rs. Ao sairmos da sessão fomos brindados com um cover de Gal Costa em um espaço aberto com um chafariz, onde meia dúzia de gatos pingados pararam para prestigiar o pocket show, ao contrário da gente que comemorava aquele momento ímpar e gratuito em pleno meio de semana.
3- Fevereiros (2019)
Aqui temos um registro da vitória da escola de samba carioca Estação Primeira de Mangueira em 2016, que teve um enredo homenageando a baiana Maria Bethânia. Além de filmar a escola e os preparativos do barracão, a produção acompanha a cantora nas festas da Nossa Senhora da Purificação, na Bahia. Segundo o diretor Marcio Debellian, "o que me interessou desde o início, independente do resultado que o carnaval viria a ter, foi o recorte que a Mangueira escolheu para o enredo. Entre as inúmeras possibilidades de se homenagear Maria Bethânia, a escola escolheu tratar da sua devoção religiosa, do seu sincretismo pessoal que junta o candomblé, devoção católica e sabedorias herdadas dos índios". O filme é uma aula de história e tolerância, de vida e de festejos, como se fosse (tomara que não) o desfecho da trilogia iniciada em 2005.