quinta-feira, 16 de junho de 2016

ACHADOS E PERDIDOS #3

Marcas imitam marcas, fragrâncias são copiadas, mas seguramente esse pecado é mais cometido por músicos e empresários do ramo fonográfico. Quando a coisa caminha na mesma sintonia é como comprar o perfume nacional e descobrir que existe o importado, algumas vezes de qualidade inferior à cópia, como é o caso do meu inesquecível XV Years da Água de Cheiro e do meu atual CK One. Semelhante ao perfume citado, há umas versões musicais que na minha opinião superam a original, enquanto outras acabam de rolar precipício abaixo com a primogênita concebida sabe lá pra qual tipo de audição.

No primeiro estudo de caso, demorei a perceber a linda letra "A Noite" escrita pela  Tiê & equipe para "La Notte" da cantora italiana Arisa, por não ter paciência para Bruna Marquezine com aquela carinha marketing de ex-Neymar e/em Paraisópolis. Na canção de Arisa, o que se salva é o refrão, porque nas estrofes só me vem à memória náusea, Dramin, Sonrisal de madrugada, comida que fez mal, Figatil, ressaca, enxaqueca e vômito, que literalmente está lá na letra. E olha que essa música fez muito sucesso na Itália, levando um disco de platina e ficando em segundo lugar no Festival de San Remo! Confiram as respostas da anamnese:

Não basta um raio de sol num céu azul como o mar
Porque carrego uma dor que sobe, que sobe
Para nos joelhos que tremem, e eu sei por quê
E não para a corrida, ela não quer parar
Porque é uma dor que sobe, que sobe e faz mal
Agora está no estômago, fígado, vômito, finjo mas está
(...)
O estômago resistiu ainda que não queira comer
Mas tem a dor que sobe, que sobe e faz mal
Chega no coração e quer batê-lo mais forte que eu
Prossegue na sua corrida, pega aquilo que sobra
E de repente explode e estoura a minha cabeça
Queria uma resposta, mas, no fundo, não tem resposta

Arisa comemorando o Coqueiro de Ouro
Tiê blasé com seu sucesso nacional
No segundo estudo de caso, vamos àquela que mais usa as rimas lua/nua/rua em suas mais variadas letras, cujas melodias me dão um trabalhão para distingui-las, até chegar na tríade + voz grave + refrões chiclete = Ana Carolina, cantora de nome singular e letras tão populares. Não bastassem as letras enigmáticas como "Eu pulo as janelas, será que eu tô trancado aqui dentro? Será que você tá trancado lá fora?", ela atingiu seu ponto máximo de criatividade na inesquecível "É isso aí". Tudo começa bem, básico, mas aí lá vem a rima clássica:

Como farei a próxima tradução virar sucesso?
É isso aí
Os passos vão pelas ruas
Ninguém reparou na lua

A vida sempre continua

As coisas melhoram no refrão, em seguida vem uma estrofe que me lembra as letras de Gilberto Gil, mas aí vem o trecho candidato ao Oscar de melhor "adaptação":

É isso aí
Um vendedor de flores

Ensinar seus filhos a escolher seus amores

Mas acho mesmo que a maldição da letra "ahn? quem? cuma?" já vem desde quando Zélia Duncan tentou fazer algo para Simone e gerou uma estrofe assim:

Então me diz!
Qualquer história
De amor e glória
Eu sei!

Não dá mais pra voar...
Então me diz!
Frases feitas comuns
Já sei, ficamos no ar

Mais que o normal...

Ou melhor, os brasileiros não tem culpa. A origem de tudo está em Damien do Arroz Rice, que fez The Blower's Daughter reza a lenda inspirado em uma garota que ele conheceu por telefone quando trabalhou em um call center. Depois de Closer, de Simone e de Ana Carolina ele deve ter ganhado uma graninha dos direitos autorais, porque tirando o refrão hit-certo-sucesso-garantido, uma das estrofes então me diz:

Pensando na filha do vento
And so it is  / E então é isso
The colder water / A água gelada
The blowers daughter / A filha do vento

The pupil in denial / A aluna rejeitada  

Mas por que Ana Carolina, Simone, Zelia Duncan e Seu Jorge diante de um troço que já era sucesso mundial não cantaram em inglês mesmo ou assim bonitinho como está aí, com rima certinha e tudo, gente? Mim não sabe nem você nunca vai saber.


Encerrando os trabalhos, sem pedir bis, lembrei de outro causo de uma certa feiticeira do gelo seco + bocão + performance pré-sofrência = Rosana (sem "h"). O hit "O amor e o poder" (Como uma Deusa) ficou nas paradas do Globo de Ouro, Chacrinha, FM e AM Consolo de Empregada por várias semanas. A versão feita para "The Power of Love" originalmente de Jennifer Rush, mas regravada pelo Air Supply, Celine Dion entre outros, denota o clássico caso, estilo "ainda ficaremos juntos de verdade". As loucuras de amor e o fogo incandescente da paixão vem logo no começo:

Eu saio dos seus olhos
eu rolo pelo chão
feito um amor que queima
magia negra, sedução

Se tivessem escrito "magia lenta" a pobre feiticeira não teria sido acusada pelas mesmas pessoas que achavam que o Fofão era tão perigoso quanto Freddy Krueger. Mas o caldeirão entra em efervescência mesmo no refrão:

Como uma deusa você me mantém ($$$)
e as coisas que você me promete diz me levam além 


A letra original não fica tão distante da ideia da "metade da laranja, dois amantes, dois irmãos" e da promessa de um dia ele largar a gerência da matriz pra fazer render a filial. Tudo começou com sussurros de amor, foi sensualizando, se declarou no refrão e jogou aquela conversa pra boi dormir no final:

We're heading for something / Estamos caminhando para algo
Somewhere I've never been / Em algum lugar que eu nunca estive
Sometimes I am frightened / Às vezes eu estou assustado
But I'm ready to learn / Mas estou preparado para aprender
Of the power of love / O poder do amor 



Essa galera toda que sabe tirar leite de pedra e transformar abacaxi em uva, ou não!



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