quinta-feira, 27 de agosto de 2020

MEMÓRIA MUSICAL- PARTE 1

Inspirada no relato de tantos artistas que passaram poucas e boas durante a censura imposta pela ditadura militar brasileira, e que tiveram discos embalados em sacos pretos ou faixas deletadas, organizei uma mini coletânea de canções que contam um pouco da nossa recente história. As 12 canções aqui selecionadas (parte 1 e 2) foram classificadas cronologicamente de acordo com o ano de lançamento & versão que fez mais sucesso, pois em alguns casos a canção foi gravada anteriormente até mesmo por ótimos artistas, mas teve pouca repercussão.

1- Alegria, alegria - Caetano Veloso (1967)
Marco inicial do Tropicalismo, ficou mais conhecida ao ser apresentada no III Festival da Música Popular Brasileira da Record, ficando em quarto lugar, apesar de ser uma das queridinhas daquela edição. De sonoridade suave e alegre, apesar do início ter a famigerada guitarra elétrica tocada pelos Beat Boys, essa canção é contemporânea, pop e cheia de referências à cultura de massa da época. Mesmo não tendo sido composta na intenção de contestar, e sim inspirada em A Banda de Chico Buarque, dificilmente essa canção não é associada às que marcaram o cancioneiro durante o regime militar.

2- Pra não dizer que não falei das flores - Geraldo Vandré (1968)
Mais conhecida como "Caminhando", foi apresentada apenas com voz e violão no III Festival Internacional da Canção Popular (FIC), ficando em segundo lugar mas em primeiro na boca do povo, o que incomodou demais os militares e obrigou o cantor a "sumir" de cena após o AI-5. Os discos foram retirados das lojas e sua execução pública proibida até 1976, quando por conta da anistia foi regravada por Simone. Já o compositor pôde retornar ao Brasil em 1973 após muitas negociações sigilosas com o governo, mas não mais retomou sua carreira artística.
 
3- Sabiá - Chico Buarque (1968)
Composta musicalmente como Gávea, a canção mudou de nome após Chico Buarque por letra inspirada no poema Canção do Exílio de Gonçalves Dias, sendo por fim inscrita no III Festival Internacional da Canção Popular e interpretada por Cynara e Cybele (Quarteto em Cy). Tom resolveu ser participante para se livrar se ser jurado, mas não contava com a vaia histórica por causa de um primeiro lugar que nem ele mesmo botava fé. Surgiram várias teorias da conspiração para a vitória sobre a canção de Vandré, mas até hoje não se sabe por quê o júri a escolheu. Intencional ou não, o certo é que Sabiá ingenuamente era uma nova e premonitória Canção do Exílio para aqueles tempos que se tornariam mais sombrios em breve.

4- Aquele abraço - Gilberto Gil (1969)
Composta durante as tratativas com os militares que culminaria no exílio em Londres, assim o cantor declarou sobre sua ode à cidade maravilhosa e canção de despedida: "finalmente eu poderia sair do país e tinha que dizer bye-bye; sumarizar o episódio todo que estava vivendo numa catarse. Que outra coisa para um compositor fazer uma catarse senão numa canção?"

5- País tropical - Wilson Simonal (1969)
Como falei inicialmente, esta seção foi catalogada considerando a versão daquela época que fez mais sucesso. É o caso dessa canção, que nesse mesmo ano foi gravada pelo trio de baianos Caetano, Gal e Gil e em seguida pelo "internacional' Sérgio Mendes, mas foi na voz de Wilson Simonal que ela balançou o Brasil de 1970. Como relata Nelson Motta no livro 101 Canções que Tocaram o Brasil, "por sua qualidade e sinceridade, superou qualquer eventual conexão com o ufanismo autoritário e sobreviveu ao tempo como um hino e alegria e brasilidade".

6- Apesar de você - Chico Buarque (1970) 
Como já é sabido, o Departamento de Censura Federal (que em 1972 seria formalizado como DCDP -Divisão de Censura de Diversões Públicas) de vez em quando se passava na triagem e liberava uma canção cheia de diretas e indiretas ao regime militar. Foi o caso de Apesar de Você, que logo após estrondoso sucesso teve discos confiscados e execução terminantemente proibida. Só que o estrago já estava feito, pois 100 mil discos já tinham sido vendidos, a letra estava na boca do povo e a música circulava também nas cópias nas saudosas fitas cassete. Quando interrogado, Chico disse cinicamente que tinha composto o samba para uma mulher mandona e autoritária, rs.


PS: Não achei a imagem que gostaria de encontrar, mas fica abaixo um exemplo do que a turma da moral e dos bons costumes em honra da família brasileira e do bem da nação deixava passar.

                     Policial Pensador: Raul Seixas, Polícia e a Ditadura


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