Já morei em tanta casa que já nem lembro mais, mas hoje eu moro com meus pais na casa que nasci (Ôps! Eu nasci no Nair Alves). Durante 12,5 anos eu peregrinei e já morei em 3 categorias de habitação: apartamento, kitnet e casarão, mas sempre soube e senti que ali não era meu lugar. Eu podia passar quanto tempo fosse longe de casa, mas quando eu viajava nas férias para minha casa, era como se todo dia eu estivesse em casa. A impressão que dava era que nos outros lugares eu estava como estrangeira, como nômade ou visitante, mas só era chegar em casa que ativava todos os sentidos; era como se eu estivesse fazendo uma longa viagem e, de repente, regressasse.
Foi esse sentimento de despojamento que tomou conta de mim ao longo desse tempo, que fez cessar um sentimento muito comum no início dessa caminhada: o saudosismo. Finais de semana deprimida, lágrimas no travesseiro, falta de apetite e uma tristeza no olhar que mais parecia uma afrodescendente com banzo. Com o tempo, as mudanças geográficas pararam de atuar sobre mim e não me atingiram mais. Aprendi a olhar pra tudo com um olhar passageiro, de despedida e aprendi que nem tudo teria continuidade. Citem-se aqui as amizades que desapareceram, objetos, móveis que ficaram para trás, hábitos adoráveis que tiveram que ser substituídos ou adaptados da melhor maneira possível para não colaborar com esse sentimentalismo que tenta se instalar diante de perdas, ganhos e escolhas (nunca reclamei pelo preço que paguei por todas as escolhas que fiz durante minha vida de estudante).
Vivi tudo na medida que cabia no meu bolso e no meu coração, com alguns excessos de vez em quando. Vivo cada coisa no seu tempo e esgoto as horas, minuto a minuto, e não estranho mais se a melancolia não me assalta: "hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei, e nada sei" (Almir Sater). No filme Sob o Sol da Toscana, a loira louca diz pra Frances Mayes: "era o que Fefê dizia: "Você tem que viver esfericamente em várias direções. Nunca perca o entusiasmo infantil e tudo será seu". Vai saber se Federico Fellini disse mesmo isso, mas como faz sentido, não é mesmo? Concluo a divagação do dia com o poema Despojamento de Sérgio Antunes, um poeta a tempo de ser redescoberto.
Não quero guardar relógios
ainda que à prova d’água,
preciso, apenas, do tempo,
mesmo que exposto a magoas.
Não quero ter o cavalo,
ainda que todo branco,
quero, apenas, o galope,
mesmo manco.
Não finco estacas na lua
nem quero a posse da estrela.
Preciso, apenas, da luz
mesmo que de velas.
Não tenho bolso,
não guardo resto.
De tanta mão
só fica o gesto.
ainda que à prova d’água,
preciso, apenas, do tempo,
mesmo que exposto a magoas.
Não quero ter o cavalo,
ainda que todo branco,
quero, apenas, o galope,
mesmo manco.
Não finco estacas na lua
nem quero a posse da estrela.
Preciso, apenas, da luz
mesmo que de velas.
Não tenho bolso,
não guardo resto.
De tanta mão
só fica o gesto.
Poema lindo! Esse eu não conhecia.
ResponderExcluirfantástico o texto e o poema, cheguei em seu blog a pouco, pois estava vendo o filme sob o sol da toscana e a frase de felini me chamou a atenção. Obrigado.
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