quinta-feira, 28 de abril de 2011

PERSONA NON GRATA


"Fotografei você na minha Rolleiflex, revelou-se a sua enorme ingratidão" (João Gilberto)

Assistindo ao Video Show um dia desses, me chamou a atenção a declaração do ator Werner Schünemann, que segue transcrita abaixo: "O que me deixa mais cabisbaixo? Falta de lealdade. A gente acha que a gente se acostuma com isso ao longo da vida e não é verdade. Aos 51 anos eu fico tão cabisbaixo e macambúzio quanto eu ficava aos 20 ou aos 30". Falta de lealdade para mim está sob o mesmo signo da ingratidão, e esta pode se manifestar por atos, palavras e omissões, fere corações e causa mal-estar. A gratidão é um dom de poucos e hoje em dia tenho me deparado com muitas personas non gratas. Eu não sei se o egoísmo e a frieza, a indiferença tomaram conta do mundo, só sei que espero uma mudança de atitude e encontrar pessoas que prezem a ética e o respeito à individualidade alheia.

"Por isso mesmo é que há de haver, é que há de haver mais compaixão". (Gilberto Gil)

Por enquanto, meu carimbo PNG vai...
# Para quem julga sem buscar ouvir o outro;
# Para pessoas que com apenas um grãozinho de areia mancham a visão que tem da gente;
# Para quem confunde amizade apenas com utilidade;
# Para quem especula como eu gasto meu dinheiro e como eu vivo meus afetos;
# Para quem se preocupa (mais que eu!) com minha vida.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O MUNDO


Um homem da aldeia de Negua, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas. O mundo é issorevelou — Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.

Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.


Eduardo Hughes Galeano  é um jornalista e escritor uruguaio. É autor de mais de quarenta livros, que já foram traduzidos em diversos idiomas. Suas obras transcendem gêneros ortodoxos, combinando ficção, jornalismo, análise política e História.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A MEDIDA DO DESPOJAMENTO


Já morei em tanta casa que já nem lembro mais, mas hoje eu moro com meus pais na casa que nasci (Ôps! Eu nasci no Nair Alves). Durante 12,5 anos eu peregrinei e já morei em 3 categorias de habitação: apartamento, kitnet e casarão, mas sempre soube e senti que ali não era meu lugar. Eu podia passar quanto tempo fosse longe de casa, mas quando eu viajava nas férias para minha casa, era como se todo dia eu estivesse em casa. A impressão que dava era que nos outros lugares eu estava como estrangeira, como nômade ou visitante, mas só era chegar em casa que ativava todos os sentidos; era como se eu estivesse fazendo uma longa viagem e, de repente, regressasse.

Foi esse sentimento de despojamento que tomou conta de mim ao longo desse tempo, que fez cessar um sentimento muito comum no início dessa caminhada: o saudosismo. Finais de semana deprimida, lágrimas no travesseiro, falta de apetite e uma tristeza no olhar que mais parecia uma afrodescendente com banzo. Com o tempo, as mudanças geográficas pararam de atuar sobre mim e não me atingiram mais. Aprendi a olhar pra tudo com um olhar passageiro, de despedida e aprendi que nem tudo teria continuidade. Citem-se aqui as amizades que desapareceram, objetos, móveis que ficaram para trás, hábitos adoráveis que tiveram que ser substituídos ou adaptados da melhor maneira possível para não colaborar com esse sentimentalismo que tenta se instalar diante de perdas, ganhos e escolhas (nunca reclamei pelo preço que paguei por todas as escolhas que fiz durante minha vida de estudante).

Vivi tudo na medida que cabia no meu bolso e no meu coração, com alguns excessos de vez em quando. Vivo cada coisa no seu tempo e esgoto as horas, minuto a minuto, e não estranho mais se a melancolia não me assalta: "hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei, e nada sei" (Almir Sater). No filme Sob o Sol da Toscana, a loira louca diz pra Frances Mayes: "era o que Fefê dizia: "Você tem que viver esfericamente em várias direções. Nunca perca o entusiasmo infantil e tudo será seu". Vai saber se Federico Fellini disse mesmo isso, mas como faz sentido, não é mesmo? Concluo a divagação do dia com o poema Despojamento de Sérgio Antunes, um poeta a tempo de ser redescoberto.

Não quero guardar relógios
ainda que à prova d’água,
preciso, apenas, do tempo,
mesmo que exposto a magoas.


Não quero ter o cavalo,
ainda que todo branco,
quero, apenas, o galope,
mesmo manco.


Não finco estacas na lua
nem quero a posse da estrela.
Preciso, apenas, da luz
mesmo que de velas.


Não tenho bolso,
não guardo resto.
De tanta mão
só fica o gesto.

sábado, 2 de abril de 2011

ACERVO 90 MEGAHERTZ



Na metade da década de 90, para quem só tinha a Cultura FM, conhecer a Delmar FM (Aracaju-SE) foi um must! O rádio era minha mais fiel companhia, pois sem móveis, sem TV, sem família, bichano, amigos e tudo mais, tudo era difícil demais. Pelo rádio eu viajava e transformava o cenário cinza de saudade em presença, através das ondas que eram mais tácteis que meus vizinhos. A música me deixava feliz e me isolava da frieza daquela beleza de praia (Atalaia) que estava tão perto e tão longe de mim, pela falta de muitas coisas, inclusive dinheiro e companhia.

No fim de tarde, pôr-do-sol na janela do apartamento no Estrela do Mar, eu parava pra descansar a mente e o corpo após longa jornada de estudo ao som de "Delmar Dois Tempos", que mesclava MPB e Pop. À noite me viciei a só dormir com o rádio ligado, e aí vinha o repertório internacional, cheio de musicões que ainda hoje fazem sucesso entre os corações apaixonados. O pobrezinho do radinho de pilha, para atender à demanda, foi adaptado para funcionar na tomada pelo meu falecido tio Cacau, e mesmo assim ganhava muitos saculejos e tabefes quando não queria funcionar. As músicas eram a trilha sonora daquela fase que estava só começando.

Mais de uma década depois, em outra região sudestina, conheci outras rádios que hoje, graças à tecnologia, posso escutá-las pela web, com direito a título e letra. O que era minha utopia naquela época, hoje é uma realidade: ouvir a música, ver os clips no youtube, saber por onde andam cantores esquecidos pela mídia como Biafra, Ritchie, Rosana, Jane Duboc e tanta gente boa que marcou os anos 80 e 90 com temas de novela. Hoje existem muitas formas de ouvir música, mas minha paixão continua sendo o rádio, por me trazer sempre uma surpresa, algo não programado. Pra finalizar o "Melancolia Um Tempo" seguem algumas pérolas que talvez nem fossem precisamente atuais, mas segundo Elton John:

"And it's times like these when we all need to hear the radio
Cause from the lips of some old singer
We can share the troubles we already know"

Deixar você - Edmon Costa
Cheiro de mato - Fátima Guedes
Fonte da saudade - Kleiton e Kledir
Meu amigo, meu herói - Zizi Possi
Simples Carinho - Angela Ro Ro
Passarinho - Rosana
Toada - Boca Livre
De corpo inteiro - Jane Duboc
Vem ficar comigo - Elba Ramalho
Um desejo só não basta - Simone

PS 1: "Eu já sei que qualquer dia tudo vai dançar, mas a fonte da saudade nem o tempo vai secar".
PS 2: I like sad songs (they say so much...).